Greve Verde – O que foi? – O que podemos aprender?

No passado dia 10 de Abril, o coletivo pela justiça climática Climáximo organizou um evento de conversa com pessoas que participaram na Greve Verde de Sines em 1982. Esta conversa é um dos eventos de ligação com a comunidade local para a sua participação no acampamento 1.5, climaximo.pt/acampamento-1-5/, um acampamento de ação, a acontecer de 6 a 10 de julho em Melides.

Dessa conversa, que pode ser vista na sua totalidade em https://vimeo.com/699724259, podem-se tirar lições sobre como é possível fazer mobilizações de populações para enfrentar crises ecológicas e como é possível obter vitórias através da organização popular e de trabalhadores.

Este texto pretende resumir algumas das ideias principais desta conversa, fazendo parte de um Estudo de Caso sobre Transição Justa em Sines, que vai abordar outros temas e infraestruturas (existentes e planeadas) em artigos separados.

O contexto de Sines em 1982

A cidade de Sines tem atualmente cerca de 200 pescadores ativos, mas na década de 80 havia mais do que 1000, havendo também um maior número de barcos pescadores. Nessa altura, a atividade piscatória era uma das maiores atividades económicas da cidade, essencial para o sustento de muitas famílias.

Nos anos 70 começa a haver um investimento por parte do governo português na construção do complexo industrial de Sines, que embarca na construção do porto assim como de projetos de autoestradas, redes de energia elétrica e de águas, assim como outras infraestruturas terrestres. É neste projeto que são construídas a refinaria petrolífera da Petrogal e a petroquímica existente também neste complexo, que a partir de 1975 foram tornadas públicas.

Aquando do começo dos trabalhos da refinaria, em 1978, a estação de tratamento de águas residuais (ETAR) não estava a funcionar devidamente e existiam descargas na ribeira vizinha que matavam a fauna circundante. No entanto, só quando, em 1981, a petroquímica começa os seus trabalhos é que os efeitos dos efluentes não tratados começam realmente a ser sentidos pela população local e principalmente pelos pescadores.

Estes perdiam as suas redes de pesca nas lamas que se acumulavam nas zonas de descargas e os peixes que eram apanhados pelos pescadores eram de cada vez pior qualidade, alguns sendo tão contaminados que não eram comestíveis.

A construção da greve verde de Sines

Com o piorar das condições para os pescadores locais, estes começaram a fazer manifestações e reuniões com a câmara municipal, que por sua vez tentou resolver os problemas com a administração central. As frustrações da população cresceram, e sentindo que os seus esforços de diálogo não estavam a dar resultado, foi constituída uma comissão de luta que incluía pescadores de todas as artes de pesca presentes em Sines, assim como o sindicato da pesca e a união de sindicatos de Sines, para tentar mobilizar a maior parte da população. Existiam também comissões de moradores, na altura bastante mais fortes do que as atuais, que faziam parte das mobilizações populares.

A primeira ação desta comissão foi a greve de 28 de maio de 1982, onde se paralisou toda a atividade económica da cidade de Sines, desde os restaurantes e pequenos comércios aos pescadores e pequenas oficinas. Apenas as grandes empresas não foram paralisadas devido à estrutura existente de pré-aviso de greve na altura. Houve o esforço da comissão de luta para fazer um plenário durante o dia para esclarecer os trabalhadores das indústrias do complexo industrial sobre a razão da greve, e de como “a greve dos trabalhadores não é contra os trabalhadores das fábricas”. Este esforço foi recompensado com o apoio das estruturas sindicais e dos trabalhadores à greve existente.

Dessa greve resulta uma reunião com o ministro da qualidade de vida, Arq. Gonçalo Ribeiro Teles, que se revela infrutífera, visto não haver interesse em fechar as fábricas, mesmo que temporariamente, para resolver o problema devido aos enormes encargos já pagos pelo governo para o funcionamento das mesmas. A comissão de luta, depois de sentir que o seu dia de greve foi um sucesso, e com o sentido de que é apoiada pela maior parte da população local decide continuar a luta.

A mobilização das mulheres, partindo também do Movimento Democrático das Mulheres (MDM), foi possível também pela ligação que estas tinham aos pescadores, muitas delas fazendo parte de famílias que se sustentavam através da pesca. Elas participaram na mobilização da população fazendo faixas e outros sinais e estando presentes nas ações levadas a cabo pela comissão de luta.

O bloqueio do porto de Sines

Realizam-se plenários de pescadores e nasce a ideia de bloquear o porto no dia 8 de junho, com os barcos de pesca, impedindo barcos petroquímicos de entrar ou sair deste, impossibilitando assim, à força, a paragem dos trabalhos das unidades industriais.

Na véspera do bloqueio é mobilizada uma unidade de polícia marítima/guarda fiscal para garantir o normal funcionamento do porto. Isso não impediu que os pescadores “plantassem” os seus barcos ao longo da costa como planeado. À hora de almoço, os pescadores organizam-se entre si para fazerem entregas de comida, mas é também nesta altura que a guarda fiscal decide começar a assediar os pescadores.

A polícia marítima decide começar a circundar individualmente os diversos barcos de modo a gerar turbulência nesses barcos. Como resposta, os barcos decidiram entrar na dança, desancorando-se e repetindo os movimentos dos barcos da polícia marítima. Durante esta intervenção policial, alguns ânimos são levantados e devido à presença militarizada da polícia alguns pescadores decidem armar-se. A situação é resolvida por membros da comissão de luta que comunica com o capitão da polícia marítima a necessidade de uma desescalada das tensões, conseguindo a retirada da polícia marítima.

Nessa mesma noite, o ministério da qualidade de vida apresenta uma solução para o problema: as fábricas reduzem o seu trabalho durante 8 dias, retendo os efluentes dentro das suas instalações para dar tempo de fazer a ligação à ETAR e colocá-la a funcionar. Essa proposta foi levada aos pescadores que estavam no bloqueio e estes decidem voltar para casa, prontos para voltar para o mar dia 15 de junho caso as promessas não fossem cumpridas.

No dia 15 de junho a comissão vai à ETAR e constatam que esta já estava a funcionar e que agora o tratamento de águas podia proceder, não existindo mais descargas tóxicas que destruíam a fauna e impediam a pesca. O bloqueio e as greves tinham funcionado e a atividade piscatória era de novo possível.

Os dias de hoje

Não existe atualmente um esforço local para manter viva a estória desta Greve como é referido na conversa, apesar de ser uma temática ainda relevante nos dias de hoje, com o paralelo das mobilizações estudantis pelo clima que também existiram em Sines. É importante, mesmo que a nível local, continuar a falar deste caso de sucesso e de lutas nas escolas, porque esta é também a história de Sines.

Para manter este testemunho vivo existe a “Crónica da 1ª greve ecológica em Portugal”, livro de Francisco do Ó Pacheco que eterniza a memória destes dias, que partilhamos com a autorização do autor. Descarrega aqui:

Crónica da Primeira Greve Ecológica em Portugal 1ª Parte

Recortes de Imprensa Greve Verde

Documentos greve verde

 

 

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