Já vejo o céu em fogo, há quem diga que estou louco, mas já me senti mais só – Diogo Silva

Como no início da canção “Dilúvio” d’A garota não, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) também vê algo muito próximo do céu em fogo. No seu mais recente relatório, a conclusão científica não podia ser mais forte e direta: “Há uma janela de oportunidade a fechar-se rapidamente para assegurar um futuro habitável e sustentável para todos” e “as escolhas e ações implementadas nesta década terão impacto agora e durante milhares de anos”.

Ainda assim, há quem diga que nós, ativistas, é que estamos loucos.

Esta semana, apenas sete dias após sair o relatório do IPCC: mais de mil polícias destacados apenas para a mobilização climática levaram a que 143 manifestantes fossem detidos na Conferência Europeia do Gás em Viena (um encontro de lobbyistas e representantes europeus que muito definirá a política climática europeia, que decorreu ao mesmo tempo que a contra-cimeira “Power to the People”); o Governo de Emmanuel Macron anunciou querer dissolver o maior grupo de protesto por justiça climática; e o Governo de Olaf Scholz (que inclui os Verdes) decidiu enfraquecer ainda mais uma lei climática que já era fraca por definição.

Por cá, António Costa anunciou que o Porto de Sines, por onde chega mais de 90% do gás utilizado em Portugal “será fundamental nesta reconfiguração que está em curso em Bruxelas”, com referência à “dependência de energia vinda de outros Estados” e um “verdadeiro mercado europeu de energia”.

De que nos vale a independência e o mercado europeu se a injustiça continuar e a luta continuar a ser por pagar as contas ao final do mês? Querem mesmo fazer-nos acreditar que essa é a única alternativa?

Todos estes governos começaram com promessas verdes, e estão a desaguar em repressão cada vez mais violenta contra os movimentos que lutam como podem contra a insanidade de quem tudo pode porque nos (des)governa.

Sem o uso de máscara climática que era obrigatório após as mobilizações de 2019, estão agora a lutar contra os que lutam por um futuro viável.

Esta Europa não só não é para pobres, como cada vez mais não é para ninguém que não seja muito próximo de rico. Não nos falta só a paz, falta-nos cada vez mais o pão, habitação, saúde, educação.

Se, para assegurar o futuro habitável e sustentável para todos que o IPCC refere, temos de cortar 50% das emissões globais até 2030; se o gás fóssil gera emissões, está ligado a violência, colonialismo e ao aumento do nosso custo de vida; e se há a tecnologia e recursos para simplesmente construir um sistema de energia democrático e 100% renovável em toda a Europa até ao final desta década…

Quem é que está louco, afinal: nós, que lutamos pelas nossas vidas, ou os governos europeus que lutam pelos lucros bilionários das energéticas, à custa das nossas vidas?

O único caminho lúcido é o de lutar com tudo o que temos pelo tanto que, ainda e sempre, vale a pena salvar. A boa notícia é que, ao contrário do Dilúvio d’A garota não (que refere “nunca me senti tão só”), somos cada vez mais a perceber que é este o único caminho possível e realista.

Por tudo isto é que vamos sair à rua já amanhã por Casas para Viver. Por tudo isto é que vamos ocupar as escolas e universidades em maio pela independência dos fósseis na energia e nos governos. Por tudo isto é que vamos bloquear o Porto de Sines no santo dia 13 de maio para Parar o Gás e fazer do próximo inverno o Último inverno de gás. Por tudo isto é que precisamos de cada uma das pessoas que lê este artigo, porque precisamos um movimento cada vez mais forte para travar o caos.

Inspire-nos Sérgio Godinho: quando dermos a volta ao medo, vamos mesmo dar a volta ao mundo.


Artigo originalmente publicado no Expresso a 31 de Março de 2023.

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