Quase 90% de Portugal continental está em situação de seca, sendo que 34% do território está em seca extrema. Em Abril bateram-se temperaturas máximas e os incêndios florestais já começaram a avassalar o país.
Travar o colapso climático implica cortar emissões de gases com efeito de estufa, derivados do uso de combustíveis fósseis, “como se as nossas vidas dependessem disso” porque realmente dependem. Então a pergunta é como cortar emissões e por onde começar?
Eletricidade 100% renovável até 2025 é um importante passo, no caminho para a descarbonização da nossa economia até 2030, que implica a cessação de produção de eletricidade através de gás natural (responsável por cerca de 30% da eletricidade consumida em Portugal), e sua produção só com energias renováveis. Esta produção requer um investimento massivo na capacidade eólica e solar, e outros investimentos complementares.
Não negamos o desafio tecnológico, mas havendo a alocação de recursos adequada – coordenação e gestão do setor em prol do bem comum — este pode ser ultrapassado. Não negamos o desafio político, social e institucional, mas este é o realismo exigido pela ciência – uma mobilização massiva de recursos para planear, coordenar e gerir uma transição energética justa, através de um programa governamental de Empregos para o Clima.
Há quem diga que a quela meta não é exequível até 2025. Os argumentos de que tal significaria 1) licenciar muitos gigawatts (GW) de capacidade solar e eólica; 2) com aprovação da Agência Portuguesa do Ambiente ainda este ano para serem construídos; e 3) investimento em baterias, são argumentos burocráticos para atrasar a transição energética. Significa dizer que travar a crise climática não é compatível com mecanismos de mercado livre, burocracias administrativas e lucros das grandes empresas privadas. No entanto, cabe ao Estado liderar uma transição energética em prol da sociedade.
Os leilões de renováveis são, pelo contrário, pensados à medida das grandes empresas, dando prioridade às que apresentam projetos de menor custo. Ora, estes são projetos de grande escala, muitas vezes associados a elevados impactos ambientais e sociais para as populações locais, dos quais as empresas se desresponsabilizam. Para além disso, investimentos em energias renováveis só contribuem para travar a crise climática, se estiverem associados a cortes concretos no uso de combustíveis fósseis.
O sistema de preços de eletricidade também tem de ser repensado. Os mercados seguem um modelo marginal o que significa que o preço final da eletricidade é função do preço da fonte mais cara necessária para satisfazer a procura. Assim, enquanto continuar a entrar na rede elétrica eletricidade produzida através de gás natural, a um preço bastante superior ao da eletricidade renovável, toda a eletricidade, qualquer que seja o custo de produção, é remunerada ao nível do preço do gás.
Isto significa que as empresas fazem lucros extraordinários com a produção renovável, sendo do seu interesse que os combustíveis fósseis continuem a ser necessários. Pelo contrário do ponto de vista da transição e acesso universal a eletricidade, este modelo é estruturalmente incapaz. Então o que é irrealista? Eletricidade 100% renovável até 2025 ou esperar que mecanismos de mercado façam face a esta crise?
Se aquela meta não for atingida, que o governo tenha capacidade de declarar falhanço político e assumir a sua responsabilidade face aquela que é uma ameaça à existência de milhões de cidadãos. A escolha que enfrentamos é entre um planeta justo e habitável e uma economia suicida movida pelo lucro.
Artigo originalmente publicado no Expresso a 26 de Maio de 2023.