Sendo o EBACE (European Business Aviation Convention and Exhibition) o maior evento de venda de jatos privados da Europa, quando recebemos o convite para participarmos na disrupção do mesmo, abraçámos o desafio com o maior entusiasmo. E ainda bem.
Este evento ocorre anualmente em Genève (Suíça) e é o pináculo da alienação capitalista, bem demonstrativo do problema épico que temos entre mãos.
Em plena crise climática, ninguém dentro do status quo do sistema está minimamente interessado em resolvê-lo, mas sim em tirar o melhor proveito da situação com o mínimo possível de risco.
Um deste jatos tem o potencial de emitir numa hora mais do que a média da população mundial emite num ano inteiro.
Assim sendo, vender mais uns jatos para a elite mundial se passear confortavelmente, enquanto a maioria da população sofre as consequências diretas do estilo de vida dos mais ricos, é mais do que um estilo de vida egoísta. É genocídio.
No dia 23 de Maio, o primeiro dia do evento em 2023, 103 ativistas climáticos tiveram a coragem de parar esta festa que seguia impunemente e com a tranquilidade habitual de quem acha que a sua vida tem mais valor do que alguém que morre afogado em cheias, na travessia do Mediterrâneo, de fome, pela seca e outros eventos extremos, causados pelo aquecimento global.
Ativistas estes que vieram de 17 países diferentes, apoiando diversos grupos que lutam pela justiça climática, como Stay Grounded, Greenpeace, Extinction Rebellion, Scientist Rebellion, ANV-COP21 e Abolir Jatos / Climáximo.
A ação em si teve como objetivo parar a festa distópica que é o EBACE e cumpriu o ambicionado. Tivémos uma prepação de ação, com tempo suficente para treinos, socialização e briefing de ação e legal. No dia da ação duas equipas, de cerca de 50 pessoas cada, disromperam por locais diferentes do aeroporto de Genève. Uma a pé e outra viajando em bicicletas. A equipa das bicicletas rapidamente chegou ao local de ação sem encontrar grande oposição. A equipa a pé teve uma oposição bastante mais forte, por estar a entrar pela porta principal do evento, porque um carro de segurança rapidamente avistou a equipa, porque os seguranças do evento rapidamente fecharam a entrada e porque um carro de polícias chegou ao local disparando gás pimenta indiscriminadamente. Mas não contavam seguramente com a motivação das ativistas presentes, que rapidamente se adaptaram ao contexto e entraram no recinto por todos os meios que conseguiram encontrar. Fomos imparáveis.
Após a ação bem sucedida, onde alguns seguranças e gestores do evento, recorreram a violência porque estaríamos a “magoar os jatos” como um deles chegou a dizer, as 103 ativistas foram detidas e intimidadas por um período variável de cerca de 35h, consoante as ativistas. Durante este período existiu uma camaradagem enorme entre todas, apesar da situação que estávamos a vivenciar, que permitiu não só suportar o momento, como criar fortes laços de amizade e confirmar que existem pessoas incríveis no lado certo da história, dispostas a um nível elevado de sacrifício e altruísmo por um bem comum a todas as pessoas do planeta.
Nem governos, nem tão pouco a elite económica, estão a levar o aquecimento global como a crise que é. Apenas estão preocupados em manter o poder, controlar a população, mentindo-lhe descaradamente através de greenwashing e medidas que nos levam neste momento em direção a 3ºC de aquecimento global. Com 1.2ºC já vivemos num planeta diferente daquele em que a civilização humana se desenvolveu. Não existe adaptação possível a um planeta de 3ºC, e quem diz isso mente com todos os dentes que tem.
Como estamos a assistir com o que se passa na Alemanha e Letze Generation, a elite capitalista só está interessada em apontar as armas precisamente a quem está a apontar-lhes o dedo como causadores da crise que vivemos. Chamam-nos de ecoterroristas. Ou seja, ecoterroristas não são as pessoas que estão a destruir o planeta e a possibilidade de uma vida além da sobrevivência mais básica, mas sim quem está a tentar tudo o possível para o salvar. Bravo.
Quem neste momento aponta os dedos aos ativistas climáticos, que são as únicas pessoas realisticamente interessadas em resolver o problema, em vez de culparem o sistema económico vigente, tem apenas um adjetivo possível. Cúmplice.
A história dar-nos-á razão.
Ninguém precisa de um jato privado.
Toda a gente precisa de um planeta habitável.
Abolir Jatos Privados!