Eroles: um vislumbre da utopia – Joana Soeiro

A chegada pareceu uma cena de um filme. Íamos mesmo passar uma semana no topo de um penhasco? Desligo já o telemóvel e deixo o mundo real para trás neste mesmo instante? Naquele momento, toda eu era entusiasmo e espanto. Não tinha grandes expectativas, não quis pensar demasiado no assunto, mas sabia que ia adorar o conteúdo da formação em Collaborative Transformation. Só não imaginava que ia passar de não perceber a 100% este título a vivê-lo em primeira mão durante uma semana.

Os primeiros conceitos que me deixaram a pensar foram os de “zona de conforto”, “zona de aprendizagem” e “zona de pânico”. De repente, todos os meus objetivos para aquela semana passavam por “aprender a fazer X sem entrar na zona de pânico” — lidar com conflitos, construir um coletivo, coordenar uma equipa… Sem. Entrar. Em. Pânico. Para mal dos meus pecados, no dia seguinte tivemos um exercício prático surpresa e… entrei em pânico. Isto não ia ser fácil.

A próxima revelação estaria mesmo ao virar da esquina: compreender o poder e as suas dinâmicas dentro de um grupo. Em particular, o conceito de agência — a capacidade de usarmos a nossa influência sobre pessoas ou coisas — e os fatores que a influenciam: confiança, fluência, competência, motivação e estatuto (rank), este último dividindo-se em social, contextual, psicológico e espiritual. Vieram-me à memória inúmeros grupos em que trabalhei e, pela primeira vez, consegui perceber porque não funcionaram, porque não havia igual interesse, motivação e participação de todas as pessoas. Que havia uma ou duas pessoas que não queriam distribuir o poder pelo grupo para não perderem o controlo. Que o grupo não tinha sequer noção desta dinâmica nem do que poderia influenciar a agência de cada membro. Quantas vezes me agarrei ao poder que tinha para conseguir controlar o desenrolar de uma ação? Quantas vezes a minha agência foi diminuída pelo meu estatuto psicológico, pela minha ansiedade? E agora que estou consciente disto, como vou agir?

Outro conceito novo que me fez refletir foi o dos perfis de Belbin e como temos uma tendência natural para assumirmos papéis de liderança, criatividade, execução ou finalização num grupo. Cada um destes perfis contribui de forma diferente para o grupo, mas também tem algumas fraquezas previsíveis. Confesso que tive dificuldade em perceber em que perfis me encaixava, mas algumas características saltaram à vista: dificuldade em tomar decisões sob pressão e aversão a conflitos (teamworker), ansiedade e preocupação com pormenores, dificuldade em delegar (finisher), ou seja, perfis de execução e finalização. Mas que perfis costumo assumir nos meus coletivos? Naquele preciso momento, estava envolvida em coordenação, ou seja, liderança. Questionei-me o que significaria assumir um papel que não me é natural. Faz-me crescer enquanto pessoa e ativista, permite colmatar perfis em falta, mas não tornará a fronteira entre as zonas de aprendizagem e pânico mais ténue? Será sustentável a longo prazo? Provocará fadiga mais facilmente? Uma coisa é certa, conhecer o perfil das pessoas com quem trabalhamos ajuda a compreender melhor comportamentos e pode até evitar conflitos, uma vez que as fraquezas expectáveis podem ser trabalhadas ou minimizadas. Tanto o grupo como o indivíduo podem beneficiar deste conhecimento e facilitar o progresso e a sustentabilidade da equipa.

Além deste conteúdo, foi um desafio refletir sobre como criar o melhor ambiente para pensar ou as formas como funciono em relação a fatores como tempo, organização, aprendizagem, pensamentos, sentimentos, entre outros. Nunca tinha pensado em tantas dimensões de diferença entre membros de um grupo e em como é difícil acomodar tanta diversidade ou como temos de ser flexíveis para nos acomodarmos a formas de trabalhar que podem não serideais para nós. Como funciono num grupo enquanto introvertida, enquanto pessoa que precisa de tempo para pensar e assimilar nova informação, enquanto alguém com problemas de ansiedade? Como posso aproveitar aquilo em que sou diferente para o bem coletivo? Por esta altura, as perguntas eram mais do que as respostas, mas sentia-me munida de imensos novos recursos e ferramentas para tentar encontrar respostas.

Enquanto absorvia todo este conteúdo novo, conheci pessoas de diferentes cidades e países, com experiências, conhecimentos e personalidades diferentes, uma das quais foi a minha learning buddy — alguém com quem refletir sobre o processo, partilhar sentimentos e experiências, aprender novas formas de ver a vida. Sem dúvida que foi um elemento muito enriquecedor que me permitiu desenvolver e aprofundar conhecimentos, além de ser um apoio emocional que fez toda a diferença numa semana tão desafiante. A “desintoxicação digital” também me permitiu concentrar a atenção no presente, no que eu sentia e nas pessoas
que me rodeavam. A meditação, os check-ins e check-outs diários, os energizers e as pausas distribuídas pelo dia complementaram este “pacote” de bem-estar e tornaram a experiência mais imersiva e transformadora. Num curto espaço de tempo, 13 desconhecidas aprenderam a colaborar e a tomar conta umas das outras da forma mais inclusiva e genuinamente preocupada que já tinha visto. Sem esquecer as incríveis facilitadoras que criaram o ambiente perfeito para esta experiência, o adorável organizador que garantiu que tudo corria na perfeição, a querida cozinheira que nos preparou comida deliciosa durante a semana toda e o carinhoso cuidador que tratou do espaço com todo o amor. Como numa verdadeira utopia.

A principal lição que trouxe desta experiência é que, no geral, a importância do autoconhecimento e do crescimento e valorização pessoais para o bem coletivo são subvalorizados. São as várias esferas individuais que formam e fazem funcionar o coletivo. Como pode o desenvolvimento de um progredir sem o desenvolvimento do outro? Somos, acima de tudo, humanos. Seres sociais complexos numa teia de relações e dinâmicas em constante mutação, a navegar numa esfera social que nos influencia. Escolhemos colaborar umas com as outras para transformar a sociedade. Lembremo-nos, então, de nos transformarmos a nós próprias no processo. O ativismo TEM de ser transformador. Não só da sociedade como dos agentes da transformação.


Texto escrito em seguimento do curso Transformative Collaboration no Ulex, em Outubro de 2021.

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